Sobre escolhas, feminismo e coragem

Imagem: Pixabay.

Um dia ouvi da minha filha: "Quando eu crescer, não vou trabalhar, porque eu quero ser 'uma mamãe' e passar batom”. Doeu no fundo da minha alma que eu nem sabia que era tão feminista. Deixei o Brasil há 3 anos e desde então troquei o mundo corporativo por uma carreira alternativa, que me permitisse focar na família e na casa, na adaptação da nossa vida em novos países. Essa escolha me permitiu ser dona dos meus horários e trouxe paz ao meu coração. Ganhei o privilégio de estar presente no primeiro gol do meu filho, de oferecer um colo na queda de bicicleta, de participar das conversas na saída da escola - cheias de necessidade em serem ditas naquele momento - e de olhar nos olhos da minha filha quando ela precisava se sentir segura.

 

Aprendi a cozinhar, ensinei meus filhos a arrumarem as próprias camas, a se aprontarem sozinhos para a escola enquanto eu tiro a mesa do café da manhã e a serem fortes para fazerem novos amigos, a cada troca de escola e de idioma. Courage. Como ensinar coragem sem ser coragem? Me orgulho de ter tido coragem para assumir essa mudança – mas ouvir da minha filha que ela não quer trabalhar porque quer ser mãe me desmoronou.

 

No fundo, acho que meus filhos não entendem muito que tipo de trabalho é este que não precisa sair de casa todos os dias com “roupa de trabalhar” e voltar só na hora do jantar, como o pai. Meu tradicional ciclo de trabalho full time, muitas vezes com reuniões até tarde da noite e apresentações feitas em casa depois das crianças dormirem, terminou. Fim. Mas me incomodou pensar que minha filha está crescendo sem a forte referência da mãe trabalhadora, que é 50% responsável pelo arroz e feijão na mesa todos os dias.

 

Então reflito, escrevo, olho pra dentro de mim. O que exatamente me traz desconforto sobre um ciclo que eu escolhi encerrar? Tento concluir que ensinar minha filha a ser dona do seu nariz é ser dona de suas escolhas – e independência financeira é só uma parte disso. Se querer ser uma “mamãe” é um desejo, é porque ela reconhece a grandiosidade disso. E ainda irá conhecer muitos outros caminhos grandiosos ao longo da vida. Mas, para que ela tenha coragem nas suas escolhas, eu escolho que agora, aos cinco anos de idade, ela precisa de amor - de perto - e de uma mãe feliz, orgulhosa por estar no ciclo que escolheu estar.

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